Startups nascem em um ambiente de incertezas, são muitos os desafios que precisam ser superados, e com certeza um time composto por pessoas comprometidas e capacitadas pode ser o diferencial para o sucesso do negócio. Sabe-se que Startups comumente operam em bootstrapping[1]. Como a legislação trabalhista não evoluiu na mesma velocidade que a economia (mais colaborativa e dinâmica), é preciso pensar em alternativas para atrair e reter talentos que ajudem a empresa a atingir os resultados esperados.
A cláusula de vesting surge como uma das alternativas para as startups com poucos recursos disponíveis para atrair colaboradores talentosos, com potencial decisivo para alancar o crescimento do negócio.
Para quem não está familiarizado com o termo, vesting é a possibilidade de um parceiro adquirir, futuramente, participação societária na empresa, com base em condições e resultados que serão acordados entre ele e a empresa. Resumindo, é o fundador prever que, em algum momento determinado o parceiro poderá se tornar o seu sócio no negócio, ou, pelo menos, usufruir dos benefícios que essa condição proporciona.
Na confecção desse tipo de documento, existem algumas previsões que, para segurança do negócio, o empreendedor não pode abrir mão.
Cliff
Cliff é o tempo de carência, o período probatório. É uma alternativa para que o colaborador contribua com o crescimento do negócio e para que os sócios avaliem se ele tem condições de integrar o quadro societário.
O Período de Cliff pode se extinguir por tempo ou metas. Para exemplificar, poderá constar nesta cláusula que o colaborador precisa operar na startup durante dois anos, para, após este período, poder exercer o seu direito. Outra possibilidade é estabelecer metas ao parceiro, que podem ser de vendas, crescimento da empresa, entre outros.
Mas como escolher qual é o modelo mais adequado? Tudo depende do modelo de negócio e do que, naquele momento, é importante para startup. Outro fator relevante que deve ser considerado é o perfil do profissional que se almeja reter na empresa.
Limite de participação
É importante avaliar diversos fatores antes de definir o limite que ficará disponível para aquisição. O empreendedor deverá ter cautela pois, dependendo do tipo societário, além dos direitos patrimoniais vinculados a aquisição, o profissional também poderá receber os poderes conferidos aos sócios, como por exemplo, direito de voto.
Outro ponto relevante é sobre o percentual do negócio que é estrategicamente interessante deixar disponível para esta modalidade de contrato. O empreendedor deve ter em mente que, eventualmente, precisará se valer, novamente, desta modalidade de contrato. Ademais, diluição de participação societária é tema de suma importância para se manter o controle societário e de decisão da empresa.
Lembrando que, os investidores, antes de injetar recursos, fazem uma análise criteriosa de quem são os sócios da empresa, o que dá relevância maior na hora de decidir quem será convidado para adquirir participação no negócio.
Valor
Logo de início é importante definir por qual valor as quotas/ações serão adquiridas. Em regra, o valor definido é inferior ao valor de mercado, para possibilitar a aquisição e para que o colaborador realmente tenha ganho, tendo em vista que no período de Cliff, ele contribui com a valorização do negócio.
Nesta modalidade de contrato, a aquisição das quotas/ações não deve se dar a título gratuito, ou seja, sem cobrar valor monetário. Isto porque, por força da nossa legislação trabalhista, se o profissional receber a participação sem precisar pagar, o valor das quotas/ações pode ser interpretado como contraprestação pelo serviço prestado e, com isso, incorporado ao salário, obrigando a startup a pagar todos os direitos trabalhistas, como férias, 13º salário, entre outros.
Prazo máximo para a cláusula de vesting
Passado o período de Cliff, o colaborador poderá adquirir participação societária no limite estabelecido entre as partes. Ocorre que, por diversas razões, ele pode optar por não exercer o direito conferido a ele no contrato. Para dar segurança a empresa, pode-se se prever um prazo máximo para que ele adquira participação e, após este prazo, não poderá mais faze-lo.
Resolução do contrato
Como toda relação contratual, também será importante prever situações em que o contrato poderá se extinguir. Podem ser situações relacionadas ao colaborador, como por exemplo, conduta, performance, ou questões estratégicas relacionadas a mudança no controle acionário, alteração no objeto social da empresa, entre outros.
Vale dizer ainda que o vesting é um contrato atípico, ou seja, não possuí uma forma prevista em lei. Desta forma, para possuir validade, basta estar de acordo com a regra geral de contratos (objeto lícito e possível, parte capaz, etc.), havendo possibilidade de ser previsto em contrato específico ou em cláusula do memorando de entendimentos[2].
Vesting pode ser um aliado para alavancar o crescimento da empresa, entretanto, se as cláusulas que o regulamentam não forem construídas de forma adequada, pode acabar por se tornar uma fonte de risco para o desenvolvimento do negócio, haja vista a possibilidade de, por exemplo, ser descaracterizado e ser aplicada legislação trabalhista para a relação entre empresa e funcionário e com isso, o empreendedor ser obrigado a arcar com ônus não previstos.
A hipótese acima descrita não está distante da prática e, para exemplificar, citamos recente caso[3] enfrentado pela 23ª Vara do Trabalho de São Paulo no qual alegava o reclamante que havia relação de subordinação entre ele e sócio da empresa, e com isso buscava que fosse reconhecido o vínculo empregatício. O magistrado ao analisar memorando de entendimentos firmado entre as partes, com cláusula de vesting, reconheceu a condição de sócio do funcionário. Além do MOU, o magistrado ainda fundamentou que, nas redes sociais, o autor da demanda se apresentava como se sócio fosse, o que deu ainda mais força ao reconhecimento da condição de sócio, do autor da ação e, principalmente, à cláusula vesting.
O vesting agrega valor ao negócio, pois surge como uma ferramenta menos onerosa as empresas e pode proporcionar o crescimento progressivo e o desenvolvimento de novos profissionais. Com isso as empresas podem apostar em novos talentos sem ter que desviar recursos, que poderiam estar direcionados ao desenvolvimento do produto/serviço, para atrair parceiros estratégicos. O vesting também surge como uma forma de viabilizar a entrada de investidores na empresa, contribuindo ainda mais com o crescimento da empresa.
[1] Bootstrapping: Termos em inglês utilizado para caracterizar as empresas que possuem poucos recursos financeiros.
[2] Memorando de entendimentos (MOU): Contrato prévio estabelecido entre partes, com o intuito de formalizar algumas premissas importantes, antes mesmo da elaboração do contrato definitivo.
[3] Processo nº: RTOrd 1000856-03.2017.5.02.0023 – 23ª Vara do Trabalho de SP
Por Bruno Nassar
Publicado por:
© 2024 Vanzin & Penteado Advogados Associados.