Destinação do Lucro nas S.A.: Como as Reservas Impactam a Distribuição de Dividendos

dezembro 10, 2025

A gestão financeira de uma sociedade anônima envolve diversas decisões estratégicas, dentre as quais a destinação do lucro líquido do exercício se destaca como um fator essencial para a sustentabilidade da companhia e o retorno aos acionistas. A Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76) estabelece diretrizes rígidas para essa alocação, determinando que parte do lucro deve ser obrigatoriamente destinada à constituição de reservas antes da distribuição de dividendos.

Essas reservas desempenham papéis distintos, desde a proteção do capital social até o financiamento de projetos estratégicos, evitando a distribuição prematura de recursos essenciais para a manutenção e crescimento da empresa. Além disso, a legislação impõe limites à acumulação dessas reservas, garantindo que os lucros retidos sejam justificados e que não comprometam indevidamente os direitos dos acionistas.

Neste artigo, exploraremos as principais reservas previstas na Lei das S.A., seus critérios de constituição e aplicação, os limites impostos pela legislação e as melhores práticas para uma administração eficiente dos lucros corporativos.

 

Reserva Legal (Art. 193)

A reserva legal é uma reserva de caráter obrigatório, instituída para proteger o capital social da companhia e garantir sua estabilidade financeira. Seu objetivo principal é prevenir que a companhia distribua todo o lucro aos acionistas, mantendo um percentual de reserva para enfrentar eventuais dificuldades futuras.

A reserva legal deve ser constituída anualmente, mediante a destinação de 5% do lucro líquido do exercício, até atingir 20% do capital social da companhia.

No entanto, existe uma exceção relevante: se o saldo da reserva legal, somado às reservas de capital, ultrapassar 30% do capital social, a companhia não será obrigada a continuar sua constituição.

Utilização da reserva legal:

  • A reserva legal não pode ser utilizada para distribuição de dividendos.
  • Seu uso é restrito à absorção de prejuízos e ao aumento do capital social por meio da capitalização de lucros.

As companhias devem acompanhar a evolução da reserva legal para garantir que ela não ultrapasse os limites legais e não afete a eficiência financeira da empresa. Em períodos de crise, a absorção de prejuízos via reserva legal pode ser um mecanismo importante para manter a companhia em operação.

 

Reservas Estatutárias (Art. 194)

As reservas estatutárias são aquelas cuja criação está expressamente prevista no estatuto social da companhia. Diferentemente da reserva legal, que é obrigatória, as reservas estatutárias são facultativas e devem ter suas finalidades, critérios de cálculo e limites estabelecidos com clareza no estatuto.

Essas reservas podem ser constituídas para diversas finalidades estratégicas da companhia, tais como:

  • Expansão de negócios: Empresas que possuem planos de crescimento podem destinar parte do lucro para financiar novas operações, fusões ou aquisições.
  • Pesquisa e desenvolvimento (P&D): Companhias do setor tecnológico ou industrial podem criar reservas específicas para fomentar inovação e desenvolvimento de novos produtos.
  • Sustentação financeira: Algumas companhias criam reservas estatutárias para garantir capital de giro robusto em momentos de instabilidade econômica.
  • Reposição de ativos: Empresas intensivas em capital, como as do setor de infraestrutura, podem constituir reservas para manutenção ou substituição de ativos de grande valor.

A constituição das reservas estatutárias deve respeitar os limites gerais da Lei das S.A., especialmente o disposto no art. 198, que impede que a soma das reservas de lucros (exceto contingências, incentivos fiscais e lucros a realizar) ultrapasse o capital social.

O estatuto deve prever com exatidão o propósito de cada reserva, evitando ambiguidades que possam gerar questionamentos de acionistas ou órgãos reguladores. Além disso, as companhias devem avaliar regularmente se as reservas estatutárias continuam sendo necessárias e se seus valores estão alinhados com os objetivos estratégicos.

 

Reserva para Contingências (Art. 195)

A reserva para contingências é um mecanismo de proteção contra perdas futuras que, embora prováveis, ainda não tenham ocorrido. Essa reserva deve ser aprovada pela Assembleia Geral, com a devida justificativa sobre a necessidade de sua constituição e o montante a ser alocado.

Diferentemente da reserva legal, que pode ser utilizada para absorção de prejuízos em momentos de crise, a reserva para contingências tem uma destinação mais específica: garantir a estabilidade da companhia diante de eventos adversos previstos, como riscos de processos judiciais, variações cambiais e impactos econômicos setoriais.

Uma vez que os riscos que justificaram sua criação sejam eliminados ou reduzidos, a reserva para contingências deve ser revertida para os resultados da empresa.

A proposta de criação dessa reserva pela administração da companhia deve ser acompanhada de documentação que demonstre a necessidade e a estimativa das possíveis perdas. As companhias devem avaliar regularmente se os riscos que motivaram a constituição da reserva permanecem relevantes.

 

Reserva de Retenção de Lucros (Art. 196)

A reserva de retenção de lucros permite que a companhia mantenha parte do lucro líquido do exercício para financiar projetos futuros e assegurar a continuidade de suas operações. No entanto, para que essa reserva seja válida, a empresa deve apresentar um orçamento de capital, que deve ser aprovado pela Assembleia Geral.

Esse orçamento precisa detalhar todas as fontes de recursos e aplicações previstas, justificando a necessidade da retenção. A companhia pode utilizar essa reserva para investimentos em expansão, aquisições estratégicas, modernização de infraestrutura e outros projetos de longo prazo.

A retenção de lucros deve estar embasada em um plano de investimentos bem estruturado, evitando assim riscos para a administração e questionamentos futuros por parte dos acionistas. A destinação dos valores retidos deve ser acompanhada e reavaliada regularmente, garantindo que os recursos sejam utilizados conforme o orçamento aprovado.

 

Reserva de Lucros a Realizar (Art. 197)

A reserva de lucros a realizar é constituída quando a companhia obtém lucros contábeis que ainda não foram convertidos em disponibilidades financeiras. Essa reserva tem como objetivo evitar que dividendos sejam distribuídos com base em receitas que ainda não foram efetivamente recebidas, protegendo a liquidez da empresa.

Essa reserva pode ser utilizada para o pagamento de dividendos assim que os lucros forem efetivamente realizados, garantindo que a distribuição aos acionistas ocorra apenas com base em recursos já disponíveis.

 

Limites das Reservas (Art. 198 e 199)

A Lei das S.A. impõe restrições à acumulação de reservas, visando equilibrar a retenção de lucros com a distribuição de dividendos e a capitalização da empresa. Conforme o artigo 198, a soma das reservas de lucro (exceto as de contingências, incentivos fiscais e lucros a realizar) não pode ultrapassar o valor do capital social da companhia.

Se esse limite for atingido, a Assembleia Geral deverá deliberar entre:

  1. Aumentar o capital social, utilizando o saldo das reservas;
  2. Distribuir os valores excedentes como dividendos aos acionistas.

Além disso,o artigo 199prevê que as reservas de lucros devem ser mantidas apenas se forem justificáveis para os objetivos da companhia, evitando acúmulos excessivos de capital que prejudiquem o retorno dos investidores.

Conclusão

A correta gestão das reservas na Lei das S.A. é essencial para a solidez financeira da companhia. As reservas obrigatórias, como a reserva legal, garantem proteção ao capital social, enquanto as reservas estatutárias e de contingências oferecem flexibilidade para enfrentar desafios futuros e financiar a expansão dos negócios.

Além disso, a observância dos limites legais evita retenções indevidas de lucros e assegura que os dividendos sejam distribuídos de forma equilibrada, atendendo tanto às necessidades estratégicas da empresa quanto às expectativas dos acionistas.

Portanto, um planejamento adequado da alocação de reservas, aliado a revisões periódicas e transparência na tomada de decisões, é fundamental para a sustentabilidade e crescimento da companhia no longo prazo.

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